quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

[Resenha] Perdão, Leonard Peacock

Nome: Perdão, Leonard Peacock
Autor: Matthew Quick
Edição: 1/2013
Editora: Intrínseca
Páginas: 224

Sinopse: Hoje é o aniversário de Leonard Peacock. Também é o dia em que ele saiu de casa com uma arma na mochila. Porque é hoje que ele vai matar o ex-melhor amigo e depois se suicidar com a P-38 que foi do avô, a pistola do Reich. Mas antes ele quer encontrar e se despedir das quatro pessoas mais importantes de sua vida: Walt, o vizinho obcecado por filmes de Humphrey Bogart; Baback, que estuda na mesma escola que ele e é um virtuose do violino; Lauren, a garota cristã de quem ele gosta, e Herr Silverman, o professor que está agora ensinando à turma sobre o Holocausto. Encontro após encontro, conversando com cada uma dessas pessoas, o jovem ao poucos revela seus segredos, mas o relógio não para: até o fim do dia Leonard estará morto.

Comentários:

Desde que li O Lado Bom da Vida tive certeza de que precisava ler qualquer coisa escrita por Matthew Quick. Adquiri Perdão, Leonard Peacock não muito depois de seu lançamento no Brasil, e apesar da ansiedade pela leitura e só encontrar elogios ao livro ele por algum motivo que não sei definir foi ficando. Enfim decidi não esperar mais (em parte porque outros dois livros do autor já foram lançados em nosso país) e conferir o que essa história guardava para mim.

Leonard Peacock toma o café da manhã no dia de seu aniversário de 18 anos olhando para uma herança de família, a P-38 que seu avô paterno tirou do soldado nazista que matou em batalha. É com ela que o garoto planeja matar seu ex-melhor amigo e atual valentão do colégio Asher Beal, e em seguida se suicidar. Mas antes ele precisa entregar presentes para quatro pessoas com quem se importa e que não quer que se sintam culpadas pelo que ele vai fazer: Walt, o vizinho idoso que o apresentou aos filmes de Bogart; Baback, o colega vindo do Irã cujos ensaios de violino muitas vezes eram a única coisa bonita no dia de Leonard; Herr Silverman, o professor de Holocausto que tem uma forma diferenciada de dar aula; e Lauren, a garota cristã que distribui panfletos evangelizadores no metrô e por quem ele se apaixonou.

Desde as primeiras frases é perceptível o quão frágil é o estado emocional de Leonard, um garoto superinteligente com uma visão diferenciada do mundo que se sente abandonado e incompreendido. Pais ausentes e totalmente alheios a sua criação, colegas de classes que o menosprezam e traumas da pré-adolescência o deixam com a sensação de estar deslocado no mundo. Ao decorrer do enredo vemos o desenrolar de 24 horas na vida de Leornad, o dia que ele promete ser o último, entremeado por flashbacks que contam como conheceu cada uma das pessoas que quer presentear e porque elas são importantes, e dos fatos que o marcaram tão negativamente. Tudo relatado de forma que permite se colocar em seu lugar e refletir sobre o que o personagem pretende fazer, e principalmente o que faria para ajudá-lo e o convencer a mudar de ideia.

É extremante comum a sociedade julgar pessoas com tendências suicidas de forma menospreziva e até caricata, principalmente nos últimos anos em que os assassinatos-suicídios de adolescentes tem se tornado uma constante nos noticiários. Perdão, Leonard Peacock nos força a rever conceitos em um jogo de moral como Herr Silverman fazia em sala de aula, pedindo que algum aluno levantasse uma questão e pedindo aos demais que debatam o certo a ser feito. No caso você tem um adolescente com pais negligentes, que sofreu abuso, é constantemente humilhado na escola e ninguém percebe o quanto está sofrendo mesmo com todos os sinais que dá. O que você faria?

O que torna o livro tão intenso e angustiante é a verossimilhança para com os personagens e fatos apresentados. Leonard, apesar de toda a perturbação emocional, é um garoto extremante carismático e fácil de se apegar. De todos os demais personagens apresentados os mais cativantes (e que pareceram de fato se importar e entender Leonard) são Walt e Herr Silverman. Walt é aquele tipo de idoso querido que quer aproveitar o pouco de vida que lhe resta fazendo o que mais gosta, e foi o primeiro a perceber que havia algo errado com Leonard no dia. Já Herr Siverman é daqueles professores que querem fazer a diferença na vida dos alunos fazendo-os pensar por conta própria, mesmo que não reconheçam isso. Ele é de longe o que mais tem capacidade e conhecimento para ajudar o garoto, mesmo que em tal situação seja difícil para alguém que precisa de (e quer) ajuda reconhecer isso.

A narrativa feita na primeira pessoa na perspectiva de Leonard relata os acontecimentos que se desenrolam e fatos passados de forma fluída, a capitulação curta e o humor peculiar contribuem para uma leitura ágil. Verdade seja dita, as páginas passam compulsivamente pelos desejos de saber o que levou o personagem a tomar tal decisão, quais são os presentes que ele quer dar e por quê e se ele concluirá o plano ou algo o fará mudar de ideia. A alienação de seus pais certamente é um fator importante, e chega a dar muita raiva da mãe (o pai já não faz parte da vida dele) pela postura dela diante dos problemas do filho. Mas o motivo mais profundo, o que levou Leonard a deixar de ser amigo de Asher e querer matá-lo, só é dito mais para o final do livro embora algumas pistas sejam dadas no decorrer da trama. Vemos que Asher também é uma vítima, o próprio Leonard reconhece isso. Mas nenhum dos dois encontrou abertura necessária para pedir ajuda, e quando tentavam ninguém via a seriedade do caso. Isso nos faz pensar numa realidade triste, o que nos faz refletir sobre a pergunta que o protagonista faz constantemente: Qual é o problema dos adultos?

Uma coisa que achei bem interessante são as notas de rodapé. O diferencial é que não são notas do autor ou tradutor, mas do protagonista. Elas funcionam como parenteses na história, explicações que não cabem na narrativa principal. Como quando você está contando algo para alguém e precisa abrir uma brecha para relatar um outro fato que te levou a tomar certa decisão no primeiro. Embora sejam muitas notas e em algumas páginas elas cheguem a ocupar mais espaço que a narrativa principal elas não prejudicam em nada a fluidez da leitura. Na verdade até contribuem para a verossimilhança da trama. Assim como as cartas do futuro, que mais tarde se descobrem um exercício passado por Herr Silverman e que tem grande simbologia sobre os sentimentos de Leonard.

Perdão, Leonard Peacock é um livro que trata de assuntos muito sérios e até pesados, mas de forma alguma é um livro depressivo. É extremante reflexivo, fazendo o leitor querer ser mais observador com as pessoas ao redor e estar mais a disposição. O final aberto não só é condizente com a trama como contribui para que o leitor continue refletindo a respeito. Dando sequência ao jogo de moral. O que você faria?

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