segunda-feira, 4 de maio de 2015

E se Stella Gibson investigasse a morte de Laura Palmer?


Duas realidades distintas com uma crítica em comum.

Em 1990 o assassinato da jovem Laura Palmer na série Twin Peaks revolucionava a forma de se fazer televisão. Não só pelas ferramentas utilizadas na série em prol de sua investigação, mas por tratar de assuntos ainda tidos como tabus para a época como a sexualidade e o uso de drogas entre adolescentes. Em 2013 surgia a Detetive Stella Gibson em The Fall, que além de investigar a morte de jovens mulheres assassinadas por um serial killer possui uma visão muito clara sobre como as mulheres continuam sendo subjugadas em um mundo ainda predominantemente masculino. Mas... e se o caminho das duas tivessem se cruzado?

É bem verdade que considerando os fatos sobrenaturais relativos à morte de Laura sua investigação fosse mais adequada a outra personagem de Gillian Anderson, a Agente Dana Scully de The X-Files. (Sendo que seu parceiro nesta, David Duchovny, chegou a fazer uma participação em Twin Peaks como um Agente do FBI travesti. Outro assunto tabu até hoje.) Mas deixando o fator místico de lado, consideremos apenas os fatores comportamentais e humanos. Uma adolescente com dois namorados e que se encontrava secretamente com um terceiro homem, que chegou a trabalhar como acompanhante numa casa noturna, usava cocaína (entre outros hábitos vistos como subversivos pela sociedade) aparece morta. Esse é um caso que certamente interessaria à Stella.


A Detetive Gibson é uma mulher forte e imponente, que não aceita a forma como os privilégios e deveres de homens e mulheres são divididos. Bem como a forma como as mulheres costumam ser caracterizadas, certa vez ela chegou a mencionar que a sociedade gosta de dividir as mulheres entre anjos e vadias. Se uma moça virgem ou dona de casa é brutalmente assassinada então algo precisa ser feito. Mas se for uma prostituta, quem se importa? Um claro sinal de como o mundo ainda é sexista. E por essas observações críticas da Detetive que acredito que seria muito interessante ver quais seriam suas perspectivas sobre Laura. A garota que até o momento de sua morte era vista por muitos como uma jovem ingênua.

A Rainha do Baile que trabalhava no restaurante levando comida para as pessoas que já não podiam sair de casa e dava aulas particulares para um garoto autista era a Laura que todos conheciam. Poucos sabiam daquilo que só veio à tona com seu cruel assassinato, e ainda assim ninguém sábia de absolutamente tudo. Em suma, Laura Palmer era uma garota doce, gentil, deprimida, confusa e que precisava de ajuda. O que ela passou em casa, lugar onde deveria se sentir protegida, a fez procurar por um modo de se libertar e de alguma forma se sentir segura ou dona de seus atos. Seu pai era abusivo (fato que só foi mostrado no filme mas ficou subentendido na série) e seu chefe a obrigou a se prostituir, esse resumo básico do que lhe foi imposto já é motivação suficiente para seus atos desesperados.


O que Stella diria de um pai que abusa da filha a ponto da garota procurar nas drogas uma fuga da realidade? E do grande empresário respeitado por toda a região que usava a perfumaria de seu hotel como fachada para selecionar garotas para o bordel do qual era sócio? Ela certamente falaria algo sobre como as mulheres são criadas desde de antes de entender o que acontece ao seu redor para viver em um mundo onde os homens acham que tudo deve ser para servi-los. E então quando se veem numa situação dessas, em que não conseguem fugir e ainda acabam tomando decisões erradas são apenas elas as culpadas.

Justiça seja feita, nem o Agente Cooper ou o Xerife Harry ou qualquer membro da Polícia de Twin Peaks jamais julgou Laura por suas escolhas. O que quis mostrar nesse texto foi como duas personagens completamente distintas, com mais de vinte anos separando as produções das quais fazem parte são capazes de mostrar uma mesma coisa. Que apesar das mulheres já terem conquistado tanto, a igualdade ainda não foi totalmente alcançada. Ainda existem coisas e atitudes tidas como masculinas ou femininas. E que mesmo que façam a mesma coisa, elas são culpadas e eles não.

Twin Peaks teve duas temporadas pela ABC e terá uma continuação ano que vem pela Showtime. The Fall é produzida pela BBC Two, encerrou recentemente sua 2ª temporada e ainda não há previsão para a 3ª.

2 comentários:

  1. Oi, Gabi!
    Adorei o seu post, achei que você fez uma ligação muito pertinente entre as duas e com argumentos muitos sólidos. Principalmente porque eu adoro Twin Peaks, e fiquei realmente imaginando como seria a investigação com Stella. Adorei de verdade os pontos que vc citou, principalmente essa desigualdade que existe até hoje entre os sexos...
    Muito bom mesmo o post, adorei <3

    http://penny-lane-blog.blogspot.com.br/

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  2. GabrielaCeruttiZimmermann7 de maio de 2015 às 17:46

    Fico feliz que tenha gostado do post, Maiti. Confesso que tive receio de abordar esse tema um tanto sério, mas é bom saber que fiz valer minha perspectiva. E é bom saber que gosta de Twin Peaks. :)


    Beijos!

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